sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

olhares no feminino - 12 anos de exposições de pintura

Olhares no Feminino
ou, a celebração da ‘flâneuse’

Tal como escreve Janet Wolff no ensaio “A invisível flâneuse” (1990), “o dandy, o flâneur, o herói, o estrangeiro – todas estas figuras invocadas para identificar a experiência da Modernidade –, são invariavelmente figuras masculinas”. Contudo, e seguindo o apelo transgressivo de um dos gran-des vultos dessa mesma Modernidade, a escritora inglesa Virginia Woolf, num curioso ensaio de 1927 intitulado “Vagueando pelas ruas: uma aven-tura londrina” – texto esse desenvolvido posteriormente no romance Orlando (1928) –, reivindica o direito das mulheres suas contemporâneas a conquistarem a cidade, assumindo assim um olhar, um sentir e um viver a cidade também como sua, deambulando gostosamente pelas suas ruas, reclamando para si a figura da flânerie no feminino. Longe já da vitimização fin-de-siècle e recusando epítetos vazios que, mais do que servirem às mulheres de adorno, as objectificam, Woolf é pioneira neste gesto, aparentemente inócuo, de gozar a aventura de se infiltrar anonimamente, ao sabor do acaso e do instinto, nas ruas da sua cidade. Mais tarde, em Orlando (que havia de ser traduzido por Jorge Luis Borges como uma das obras-primas da Modernidade), Woolf reitera essa mesma fruição “mal/dita” ou mesmo inter/dita às mulheres do seu tempo. No romance Orlando, cujo protagonista vai viajando pela História, atravessando os séculos e assumindo nesta travessia distintas personagens e identidades sexuais, a escritora confiar-nos-á um dos seus mais resguardados segredos: o prazer de olhar sem ser observada, gozar o momento efémero da passagem do tempo e a fruição do contacto com as coisas e as gentes, no labirinto – “selva de asfalto” benjaminiana – da cidade. “Bastava-lhe olhar e olhar sempre”, diz-nos secretivamente a autora.
Evoco a flânerie de Baudelaire, E. A. Poe, Woolf ou Walter Benjamin, consentâneos que a cidade tem um pulsar próprio, para me aproximar das figurações imagéticas de Olga Barbosa e de Sofia Saldanha. Em ambas testemunhos distintos desse “olhar” no feminino e dessa deambulação pelos labirintos da identidade, da subjectividade e pela memória da cidade, na busca, ora mítica, ora onírica, ora paródica mesmo, de um sentido plural das coisas, do mundo e de si mesmas. O assumir da cidade e do seu pulsar está patente na arte de ambas através de distintas máscaras, projecções e figurações do eu – minuciosamente captados e transpostos na pintura de Olga Barbosa, marcadamente intertextual, construindo-se num diálogo intenso e numa presença em diferido da literatura (Lewis Carroll, a própria Virginia Woolf); enquanto que na fotografia de Sofia Saldanha assume os contornos nítidos de um olhar a um tempo perscrutante e com-passivo, de alguém que “vê”, capta o instante poético e o fixa através da lente, aparentemente “mecânica”, da câmara fotográfica. Londres, Nova Iorque, Chicago ou Beirute desfilam perante os nossos olhos mediatizados agora pelo olhar desta outra flâneuse que lhes captou a essência e no-la devolveu transfigurada, travestida, inquietante. Em ambas as artistas a mesma explosão da cor, idêntica ficcionalização do real, e um mesmo sentir dos ritmos e dissonâncias da cidade conquistada e a cada instante re-visitada.

Ana Gabriela Macedo
Novembro 2011




“OLHARES NO FEMININO”

Exposição antológica – 12 anos de exposições de pintura
As personagens femininas da minha pintura retratam modos de sobrevivência do que a memória conserva da criança que se foi. A ironia patente em algumas das minhas telas evidencia formas de elaborar a dor, de superá-la, recreando-a e sublimando-a, navegando nas emoções mais profundas do ser humano. Aceitando-as, sempre.
As origens e as infâncias que transportam as “tralhas” para os sonhos das personagens “meninas”-“damsels”-“mulheres” desencadeiam momentos de incomunicabilidade que recrio, apresentando-as em telas com rendas, bordados, panos de lençol, pedaços de tecido cozido ao acaso, misturadas com as personagens das histórias.
As rendas são a representação do tempo das esperas ancestrais tecidas em silêncio, com paciência e serenidade, pelas personagens femininas de sempre.
O arlequim é a minha personagem de eleição e, por ser um “clown” cheio de cor e de dramatismo, resgata, no díptico que agora apresento, a menina presa em teias e crueldades disfarçadas e destrutivas.
Os títulos das minhas exposições esclarecem o seu conteúdo e a pesquisa do meu trabalho em pintura.
Ano após ano, este tem sido um contributo para “pensarmos as nossas emoções”, no feminino, dando-lhes os rostos e as formas possíveis no universo da minha comunicação em pintura.

Olga Barbosa
2011






olhares no feminino - 12 anos de exposições de pintura












olhares no feminino - 12 anos de exposições de pintura


















olhares no feminino - 12 anos de exposições de pintura











olhares no feminino











laços colarinhos e gravatas



LAÇOS COLARINHOS E GRAVATAS

Segundo as estatísticas, há uns 600 milhões de homens
em todo mundo que usam gravata. Quase se poderia
dizer que continuam aquartelados nos seus uniformes
masculinos, formatados, engravatados, os colarinhos
sufocando-os...
“…é um processo freudiano
para a autopunição…” dizia uma canção brasileira.
Os homens crescem em guerras, condecoram-se uns aos
outros e salvam-se uns aos outros. Isso faz deles mais
cúmplices, mais camaradas, mais solidários. Usam ainda
uniformes, de militares, de trabalho, de protocolo.
E nós, as mulheres? Não teremos nós ao longo dos anos
e da história ajudado a construir este terrível mundo
viril?
Como nos situamos, nós mulheres do mundo ocidental
contemporâneo, face às imensas “roupagens” da nossa
sociedade ocidentalizada? Quanto e como será que isto
nos marca? Quando deixaremos de ser devassadas,
humilhadas, tornadas “barbies”, enfeitadas e sem
reacção? Quando nos habituaremos a largar o lustro
chique e trocá-lo pela simplicidade e pela descontracção?
Quando seremos nós igualmente solidárias
umas com as outras?
Na minha pintura mostro rostos masculinos e femininos
que fazem parte de um quotidiano de todos nós. Cada
um deles podia ser qualquer uma das pessoas que
conhecemos.
O importante é ler-lhes a fronte para melhor entendermos
os mistérios das suas vidas e, através das referências
simbólicas dos colarinhos, gravatas e demais
parafernália com que nos enfeitamos diariamente e que
se misturam com elas, sermos capazes de repensar a
existência de todos nós, na fragilidade do que somos e
temos construído.

Olga Barbosa
FeministizARTE - Liv 100ª Página - Setembro de 2011 - Braga

laços colarinhos e gravatas











laços colarinhos e gravatas











laços colarinhos e gravatas













laços colarinhos e gravatas